domingo, 18 de julho de 2010

O leitor - Maximiano Campos


Meus amigos,

Neste últimos dias, o trabalho tem sorvido toda a possibilidade de criar da mente, razão pela qual não tenho postado textos meus para vocês. Por ainda encontrar-me nesta fase, apresento-os, um dos textos que tenho como de uns mais belos e perfeitos retratos de um personagem, mais uma vez, de autoria do meu patrono na ACL, Maximiano Campos.
Um abraço!

É o texto:


O Leitor


Queria que alguém lesse o conto que escrevi. Não encontrei nenhuma pessoa disposta a lê-lo, nem a ouvi-lo lido por mim. E, naquelas poucas páginas, não havia apenas um conto, somente uma história. Havia um grito de dor transformado numa canção, que só chegava a ser um pedido de socorro porque ainda restava, apesar de tudo, um certo orgulho velando a minha desbarata coragem.
Naquela manhã, com as páginas colocadas no bolso do paletó poído e desbotado, saí à procura de um leitor. Eu buscava alguma alegria e, por isso, não perdera a delicadeza de sentir as sentenças do tribunal dos meus remorsos. Ainda me considerava capaz e merecedor de sentir o mínimo de alegria compatível com o meu desejo de não ser um mero cultivador de amarguras. Eu era pobre, muito pobre, de bens materiais. No jogo da vida, na mesa do mundo, sem enxergar e distinguir bem os adversários, eu colocara todas as fichas no poder do sonho, já que não sou muito afinado com a realidade. Os adversários estavam me vencendo com demasiada facilidade; isso era por demais evidente na minha solidão.
Ao sair à rua, após deixar o meu pobre quarto, onde havia apenas uma velha cama e alguns livros, notei que a janela que se abria para a rua era pintada de um azul esmaiecido pelo tempo, pelo sol, pela chuva. Naquela cidade, eu havia nascido. Nos escombros da sua história, havia sangue e suor dos meus antepassados. Naquela cidade, capital de muitos contrastes, palco imenso para a tragédia, o drama, a comédia ou a farsa da minha vida, eu não encontrava nenhum espectador disposto a me incentivar com qualquer tipo de aplauso.
Eu tenho um emprego muito modesto, que mal dá para pagar o aluguel do quarto e não morrer de fome. Mas da pobreza não me queixo. Ela é a realidade que não considero essencial para conservar a minha vontade de viver. Tenho quarenta anos e escrevi quarenta histórias. Quarenta anos, quarenta histórias escritas, e mais de quatrocentos sonhos para colocar no papel e resgatar minhas dívidas comigo mesmo e com o mundo, este enorme asilo de realidades e sonhos, belezas e feiúras, desesperadas alegrias e tristezas, onde se debatem os homens à procura de um sentido que os justifique na vida e na morte.
Para quem iria ler o meu conto? Para o mendigo, a prostituta, a criança abandonada, o operário, o boêmio, o escritor conhecido, o ricaço, a mulher amada?
Ah! Sim, eu amava desesperadamente uma mulher. Certo dia, ela me declarou que já não me amava, pediu-me que desaparecesse da sua vida. Para dizer a verdade, eu ainda amo esta mulher. Ela era extraordinariamente bela, jovem, alegre, fútil, arredia às minhas tristezas e à capacidade de enxergar a minha caravana de sonhos. Essa mulher, por quem tenho grande respeito e indiscutível amor, foi minha amante durante três anos. Nessa época, eu tinha pouco mais de vinte anos. Faz muito tempo, portanto, que já não a tenho ao meu lado. Resolvi procurá-la. Iria relembrar a ela as noites de desesperado amor. Iria tentar rever aquele corpo, um poço de onde retirei tanto gozo e beleza, para não falar em alguns instantes de verdadeiro êxtase.
“Maria, estou indo a sua casa. Maria, desta vez você vai me ouvir, tem que me salvar desta intolerável solidão. Maria, você vai ouvir, ou ler, o que escrevi pensando em você. Diga o que disser, não terei fracassado se você consentir em ouvir ou ler as três páginas que escrevi para você. Maria, você escute, ouça esta história.”
Saí falando alto, cada vez mais alto, para o espanto de alguns passantes: “Sou um domador de sonhos. Sou o guardião de uma loucura mansa, um profeta sem seguidores. Sou um revoltado contra as ditaduras que cultivam a tortura e que afogam todas as liberdades nas águas sujas de todas as moedas do mundo. Sou livre porque não temo arriscar a vida. Sou o palhaço que zomba das próprias desventuras. Sou herói de todas as guerras e há muito que me sinto incapacitado para a paz que não conquistei. Sou um contemporâneo de todos vocês, um contemporâneo de um tempo difícil que serve de pasto para servidões que só serão vencidas com o poder do sonho, lutando, gritando alto que a liberdade que temos em nós é maior do que qualquer aparato de força das tiranias. Sou um rebelado.”
“Vem, Maria, ouvir a minha história, para que eu vença o desespero e volte a ser, pelo menos por alguns momentos, compatível com minha existência de irredutível sonhador, de talvez impossíveis caminhos e esperanças.”
Ela não veio, nem a encontrei. O conto continua guardado, ninguém o leu, ninguém o ouviu.
Agora, talvez, apenas me reste deixar de escrever, mas lerei, atentamente, tudo o que escrevi, tornando-me o leitor que sempre me faltou.